Crime de Perseguição: Análise do Tipo Penal

Transcrição da Aula:

Olá Jurista do Futuro, Igor aqui, para gente trabalhar a nova lei. A lei do crime de perseguição, a lei do stalking, que foi promulgada nesta data inglória, de 31 de março de 2021.

Mas é uma lei interessante. O número da lei é 14.132. Vamos diretamente analisar essa nova lei criminal. A origem do termo stalking vem da prática de caça, deriva do verbo "to stalk", que em uma tradução aproximada para o português corresponde a perseguir incessantemente.

No contexto de caça, ocorre quando o predador persegue a presa de forma contínua. Os stalkers "perseguem insintentemente outra pessoa, seguindo-a, procurando obter informações sobre ela e tentando controlar a sua vida, causando-lhe danos psicológicos". Essa é uma definição do Wikipédia.

Os stalkers, então, são pessoas que vão além da importunação da vítima. Elas perseguem a vítima e, com isso, a vítima fica com temor de sofrer algum dano físico ou psicológico.

E ainda tem a sua liberdade restrita por causa desse temor que tem ao stalker. Então, por exemplo, a vítima deixa de ir na rua comprar pão, deixa de sair à noite com medo do stalker aparecer.

Então, essa pessoa que fica na espreita, meio que caçando a outra e provoca forte temor, e acaba produzindo danos psicológicos e controlando a vida da pessoa.

Quem é o stalker?

O stalker, então, é um determinado sujeito, que atua invadindo a intimidade da vítima, coagindo, marcando presença, exercendo certa influência em seu emocional e até mesmo restringindo a liberdade dela, como acabamos de explicar.

Lembrando que ao final da aula eu vou deixar o link de um material que você pode baixar para estudar posteriormente. Tanto visualizar o material quanto baixá-lo.

Eu fiz aqui essa linha do tempo para vocês entenderem o que acontece.

Então, o que fez essa lei nova, a 14.132?

Ela criou o crime de stalking, crime de perseguição. Antes,como resolvia esse problema? A gente resolvia, do ponto de vista criminal, aplicando o artigo 65 da Lei de Contravenção Penal, que é a contravenção de perturbação da tranquilidade.

Ou, dependendo do caso, poderia se configurar o crime de ameaça do artigo 147 do Código Penal.

O que fez a lei 14.132? Ela trouxe o crime de perseguição, que vai se encaixar no que antes era a contravenção penal de perturbação de tranquilidade.

Mas é óbvio que o stalking é muito mais do que mera perturbação da tranquilidade, que é esse ato metaforicamente de caça, em que a pessoa persegue a outra e acaba tendo esse prejuízo na liberdade, esses danos psicológicos, esse temor que a vítima tem do stalker aparecer e fazer alguma coisa.

Antes, a gente aplicava essa perturbação da tranquilidade para preencher esse vácuo legal. Agora, não precisa mais porque veio o crime de perseguição.

E o que aconteceu com a lei 14.132? Lá no artigo terceiro, ela revogou o artigo 65, da Lei de Contravenção Penal. Não existe mais a contravenção penal de perturbação de tranquilidade.

Entendeu o legislador que essa modalidade mais grave, o stalking, já resolveria o problema e não haveria a necessidade dessa contravenção penal de perturbação de tranquilidade.

A perturbação de tranquilidade não é o stalking. O stalking vai bem além. Lembre que a lei de contravenção penal e as contravenções em geral preveem os crimes nanicos, pequenininhos, contravenções. E essas condutas anti-sociais pequenas, até pelo princípio da intervenção mínima, defende-se que não se trata esses problemas no direito penal, mas em outras modalidades do direito.

Mas continua lá a Lei de Contravenção Penal. Então, entendeu o legislador, que a perturbação de tranquilidade em si não vai ser nem contravenção. E revogou.

Agora fica só, então, o crime de stalking. O crime de ameaça ainda existe. Eu acredito que pode até aplicar concomitantemente, em concurso, crime de ameaça e o crime de perseguição (o stalking), porque são condutas distintas.

E aí vai depender que tipo de concurso vai ser, depende do caso. Mas você ainda poderia aplicar os dois de forma distinta. O crime de ameaça ainda existe.

Vamos analisar esse tipo penal. O crime de perseguição ou stalking diz o seguinte:

Artigo 147-A, o novo tipo penal: Perseguir alguém reiteradamente por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou de qualquer forma invadindo ou perturbando a sua esfera de liberdade ou privacidade.

A pena será de reclusão de seis meses a dois anos e multa, portanto será um crime de menor potencial ofensivo. Lembre da Lei dos Juizados Especiais Criminais. "Perseguição" será ir ao encalço, correr atrás, importunar muitas vezes com pedidos, súplicas e reivindicações.

O indivíduo faz essa importunação contínua, com súplicas e reivindicações, e dessa perseguição, dessa caça a alguém (à vítima) reiteradamente e por qualquer meio.

Então não há nenhuma limitação de qual meio o agente poderia utilizar para praticar esse crime. Ele pode ficar à espreita, pode utilizar a internet, pode utilizar qualquer meio para a prática do stalking.

Inclusive uma perseguição virtual.

Essa perseguição, então, ameaça a integridade física ou psicológica da vítima, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou qualquer forma invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

A primeira questão, que acredito que é a principal que vai se colocar aqui — e eu vou interpretar de modo mais amplo porque acredito que protege melhor a mulher e está mais de acordo com as teorias de gênero — , é o seguinte:

Quem é que vai entender essa ameaça? O que seria a ameaça à integridade física ou psicológica? Basta a mulher se sentir ameaçada para se configurar o crime?

Basta ela se sentir ameaçada se essa ameaça for oriunda da perseguição. É claro que se o sujeito não faz essa perseguição reiterada e por qualquer meio e a mulher fica ameaçada sem haver uma perseguição concreta, não haverá o crime.

Ou seja, é uma coisa da cabeça da pessoa. Pode ser homem também, né? Mas em regra, o crime de stalking será praticado contra a mulher.

Porém, se há essa perseguição constante, se há essa importunação contínua e disso surge na cabeça da vítima esse temor em que haja uma ameaça à sua integridade física ou psicológica, já haverá o dano psicológico.

Não cabe ao juiz verificar concretamente se o temor da vítima é razoável ou não.

Houve a perseguição? Houve. Se houver a perseguição o juiz não pode simplesmente substituir a suscetibilidade da vítima para dizer: Olha, na verdade isso não era um caso para ela ficar com tanto medo". Não é bem assim. A percepção da mulher, eu acredito, tem que ser absoluta se houver a perseguição.

Então havendo a perseguição, basta a vítima sentir essa ameaça à integridade física ou psicológica para que esse crime esteja praticado.

Inclusive, a gente poderia até pensar que basta o juiz verificar objetivamente se houve essa perseguição e se essa perseguição é capaz de restringir a capacidade de locomoção ou de qualquer forma perturbar a esfera da liberdade ou da privacidade.

Se a vítima for muito corajosa e não se sentir ameaçada em relação a isso, ainda assim o crime estará praticado se disso derivou a restrição da capacidade de locomoção.

Ou seja, a vítima é corajosa, não sentiu essa essa ameaça à integridade física ou psicológica, mas restringiu a liberdade porque ela ficou mais cautelosa.

Ou ainda, se mesmo não restringindo concretamente a capacidade de locomoção, houve uma invasão ou perturbação da sua esfera de liberdade e privacidade, haverá o crime.

Por exemplo: A vítima estava na sua festa de aniversário. Acontecia a festa de aniversário e o stalker apareceu.

Vamos dizer que a vítima é muito corajosa, ela não se sentiu ameaçada em nenhum momento, tá?

Mas ele perturbou a esfera da liberdade ou privacidade da vítima. Haveria o crime do stalking. Então, perceba que tem várias situações em que esse tipo penal pode ser praticado.

Nunca caberá ao juiz, evidentemente, verificar se o temor oriundo da vítima é razoável ou não. Mas se houver restrição à capacidade de locomoção, ou de qualquer forma o indivíduo invadir ou perturbar a esfera da liberdade ou privacidade da vítima oriundo dessa perseguição, então já haveria o crime de stalking.

Lembrando aqui que o stalking vai ser esse ato da pessoa encalçar, correr atrás, importunar muitas vezes com pedidos, súplicas e reivindicações.

Por exemplo, o ex-namorado que corre atrás da namorada pedindo pra ela voltar, invadindo a festa de aniversário dela pra pedir para ela voltar, entendeu?

Ou ela está no cinema e ele corre atrás para pedir para ele voltar para ela.

Isso aí já é uma perseguição, isso está perturbando a esfera da liberdade ou privacidade da vítima. E mesmo se a vítima for muito corajosa e não se sentir subjetivamente ameaçada na sua integridade física ou psicológica, houve a perseguição.

Essa perseguição tem o potencial de ameaça? Houve restrição à capacidade de locomoção ou a perturbação da esfera da intimidade e privacidade? Já há o crime.

Essa ameaça à integridade física ou psicológica é bem menos prevalente nos casos concretos. Porque imagina, o indivíduo está correndo atrás da vítima, mas a vítima não deixa de fazer suas coisas.

A mulher continua a fazer suas coisas, mas o sujeito está correndo atrás e pedindo para voltar. Aí ele vai na balada em que ela está e vai tentar falar com ela.

Isso já é uma perturbação da esfera da liberdade e da privacidade dela.

Ele já está perturbando o dia a dia da vítima. Já haveria configuração do crime de stalking. Lembrando que a pena é de reclusão de 6 anos 2 anos e multa, mas o crime não termina, porque ele tem três parágrafos que a gente precisa analisar.

Há uma causa de aumento de pena no parágrafo 1º: A pena é aumentada de metade se o crime é cometido contra criança, adolescente ou idoso. Vai aumentar metade da pena.

Parágrafo 2°: Contra mulher, por razões da condição de sexo feminino, nos termos do parágrafo 2-A do artigo 121 deste Código.

Essas condições de violência ao sexo feminino vão estar lá no crime do homicídio, quando for se tratar da questão do feminicídio.

O artigo 121, parágrafo 2º, vai colocar que considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Um ou outro. Ou a violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Então, perceba, se o cara já persegue ela porque acha que a mulher pertence a ele, é posse dele, nisso já há menosprezo e discriminação à condição de mulher, aplicando o inciso II e aumentando a pena da metade na terceira fase do cálculo da pena.

E para gente verificar a violência doméstica e familiar, temos que ir lá na lei Maria da Penha. A Lei Maria da Penha vai dizer o seguinte: Art. 5°: "Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial".

Aí, no caso, vai ser o crime de perseguição, stalking. III: "No âmbito da unidade doméstica compreendida como um espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas".

Então, se isso ocorre no âmbito da unidade doméstica mesmo que não haja menosprezo à figura da mulher, já haveria causa de aumento de pena do parágrafo 1°. Se essa ação ou omissão baseada no gênero ocorre no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

Ou ainda, no contexto de qualquer relação íntima de afeto no qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida independentemente de coabitação.

Veja que nesse inciso III, você já vai colocar o ex-namorado, a ex-namorada, o ex-cônjuge, o ex-esposo. Normalmente isso vai ser praticado contra a mulher.

Apesar de que a gente pode verificar hipóteses em que se aplica contra o homem. Isso já aumentaria a pena da metade. Lembre-se que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem da orientação sexual, então pode haver esse caso de aumento de pena quando for praticado de uma mulher para outra mulher.

Ou seja, no caso de uma relação lésbica em que uma mulher persegue a outra, haverá essa aplicação da Lei Maria da Penha, ok? Lembrando que a violência doméstica e familiar é uma violação aos direitos humanos.

Perceba que essa causa de aumento de pena torna esse crime mais complicado porque a gente vai lá no parágrafo 2º, se remeter ao artigo 121 (homicídio), que vai dar essa definição que eu coloquei: violência doméstica ou familiar, ou ainda, onde houver menosprezo ou menoscabo à condição da mulher.

Também a Lei Maria da Penha, onde vai definir violência doméstica e familiar, lembre-se, é aplicada independente da orientação sexual. As penas desse artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

Então se há o stalking e logo depois o feminicídio, no caso, você vai aplicar as duas penas, o stalking mais o feminicídio.

Se há uma lesão corporal contra a mulher, se for crime contra a mulher, (porque essa vai ser a regra dessa prática do stalking), você vai aplicar o crime de stalking mais a lesão corporal. A aplicação do stalking não exclui a violência que decorra do stalking.

Vai ser um crime distinto e aplicará a pena dele. Dependendo do contexto haverá concurso. Somente se procede mediante representação, então é ação penal condicionada à representação da vítima.

Lembre que a representação não precisa de um ato formal. Basta a vítima manifestar inequivocadamente esse interesse na persecução criminal. Vamos lembrar agora mais questões relacionadas a violência contra a mulher.

Esse evidentemente é um crime que, em regra, a vítima será mulher, apesar de haver outros casos, como a gente viu, inclusive de aumento de pena contra criança e adolescente.

Mas saiu novo relatório da ONU, feito especificamente pela Organização Mundial de Saúde, sobre violência de gênero, onde se verificou que uma em cada três mulheres são submetidas a violência física ou sexual ao longo da vida.

Cerca de 736 milhões. Perceba que o relatório nem fala de violência psicológica. Se houvesse violência psicológica, aumentaria muito mais esse caso. Esse número permaneceu praticamente inalterado na última década, e a situação tem se agravado na pandemia.

Ou seja, não há hoje uma evolução no combate à violência doméstica ou familiar. A gente deve repensar as estratégias. Inclusive porque, na verdade, as mulheres brasileiras são mais afetadas com isso, pois as mulheres em condições de pobreza, condições maiores de vulnerabilidade, em países mais pobres, são mais afetadas pela violência de gênero.

É muito importante que esse tema seja sempre colocado e recolocado. Eu tenho outros dados aqui, que essa violência afeta bastante as mulheres jovens. Então o relatório da ONU diz que uma em cada quatro mulheres jovens de 15 a 24 anos já sofreu violência de um parceiro íntimo.

E estima-se que 37% das mulheres que vivem nos países mais pobres já sofreram violência física ou sexual por parceiro íntimo em suas vidas. O número é de cerca de 641 milhões de mulheres.