Feminismo branco: Os perigos de uma visão única de gênero
Eu sou favorável à liberação relativa dos arquétipos de gênero, mas o feminismo branco não quer dar autonomia à mulher.
A regra deve ser a liberdade para que você seja quem quiser. Podemos pensar em exceções, quando as condições materiais de existência oprimirem as mulheres. Por exemplo, nos casos de prostituição.
Defendo, no entanto, que estas exceções sejam cientificamente comprovadas, por meio de dados empíricos com base no bem-estar da mulher.
Assim, demonstrando que o desempenho de determinado papel social lhe causa sofrimento e queda nos índices de bem-estar. Nesse caso, não estamos diante de liberdade, e sim de exploração de gênero.
Tanto para a mulher quanto para o homem, a minha perspectiva é simples: você tem a liberdade de fazer o que bem entender, sem que isso afete negativamente e substancialmente direito alheio.
O Estado só irá se intrometer excepcionalmente, para te reerguer e te ajudar a construir o caminho que você quer, mas não tem condições sem ele, ou ainda para impedir que você ataque direito fundamental alheio.
É claro que na prática as coisas ficam complexas. Vamos agora, então, falar sobre questões de gênero.
Talvez um dos grandes problemas do que as feministas chamam de sociedade patriarcal, patriarcado ou ainda capitalismo patriarcal (termo que a mim soa melhor) foi a restrição dos arquétipos da mulher na sociedade.
Por exemplo, a supervalorização ou até fetichização dos arquétipos da mãe e da virgem, prejudicando a liberalização de outros papéis, como os da bruxa e caçadora.
O feminismo teve o mérito de liberar estes arquétipos reprimidos, dando às mulheres escolhas. Essa ideia de que elas possuem escolhas e que lhes deve ser dado o mínimo existencial para buscar a felicidade é uma questão de direitos humanos. Está na Constituição. Não devemos questionar, sob pena de configuração de misoginia e discurso de ódio.
A mulher não é objeto, mas sujeito de direitos e deveres. E, como ser humano, pode traçar o seu caminho de vida, decidindo sobre o exercício dos seus arquétipos: filha, mãe, bruxa, caçadora, rainha, anciã, femme fatale, submissa, dominadora, etc.
Só que, nesse processo de liberação dos arquétipos, o feminismo branco passa a tentar domesticar a mulher no seu processo de escolhas, decidindo quais arquétipos devem ser exercídos e quais devem ser reprimidos. Um patriarcardo às avessas.
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Norma Ramos diz que se uma mulher sente prazer na submissão, ela deve lutar contra isso e mudar os seus princípios de prazer. É o feminismo atuando de modo repressor, pondo a mulher no lugar, reprimindo o arquétipo da submissa, sem estudos empíricos de bem-estar que justiquem a restrição.
Já Lachrista Grego, fundadora da Guerrilla Feminista, afirma que ser submissa na cama é empoderador para ela. Catherine Scott argumenta que o feminismo retira a autonomia das mulheres ao condenar as submissas.
O feminino é uma areia movediça e seu sentido nos escapa. Como explica Derrida, o feminino não é algo que se contém: sempre que a gente tenta defini-lo, ele nos escapa. Tem signficante de movimento.
Há tantas mulheres no mundo, com tantas identidades e sonhos, que a política identitária não pode restringi-las sem argumentos fortes com base empírica. Do contrário, o feminino escapará do feminismo.
O caso do feminismo contra a Lana Del Rey é outro exemplo. Há mulheres que a acusam de ser antifeminista e de personificar uma mulher de anos atrás, que agradava homens. Por que ela não poderia contar as suas vivências com os homens e por que suas propensões submissas seriam necessariamente abusivas?
Novamente, é o feminismo domando os arquétipos, restringindo as fases da vida da mulher e as suas pulsões conscientes e inconscientes.
O feminismo não pode ter medo de ver a mulher feliz, experimentando, vivendo. Não existe um modo certo ou errado de se viver um relacionamento. O que se deve coibir é o abuso.
Só que devemos apreender a natureza abusiva de um relacionamento dentro de um contexto. A análise não é simples. Quando o feminismo impõe às mulheres palavras de ordem, trata-as como crianças, reduzindo a autonomia delas e o seu incrível potencial mental.
As mulheres tem uma mente privilegiada para a linguagem e comunicação. São inteligentíssimas em relacionamentos. O mainstream do feminismo não tem dado o devido valor à educação de massa. Elas podem aprender as nuances e raciocinar por elas mesmas.
Ademais, nada garante ainda que estas palavras de ordem não resultarão em retroalimentação de abusos. O discurso do empoderamento não parece ter dado conta das nuances da sexualidade da mulher, produzindo o efeito reverso de fazê-las presas à lógica do sexo casual dos homens.
No Brasil, temos ainda o agravante da histórica legitimação da exploração sexual e do turismo sexual. O mainstream do feminismo, aqui, tem fortalecido essa lógica.
Ainda há muito o que se explorar sobre a sexualidade da mulher e me parece que existe uma forte demanda por parte delas de consideração dos afetos. Pedir precaução em momento de mudanças culturais e vazios emocionais é uma forma de dar tempo de reflexão, para estabelecer as rotas-de-fuga da sexualidade, que está cada vez mais nas mãos do capitalismo (patriarcal).
A música ultraviolence foi perseguida até Lana desistir de cantá-la. A acusação é que ela glamourizava o abuso, principalmente por esta parte: He hit me and it felt like a kiss. (...) Give me all of that ultraviolence.
Lana contou a história de um abuso, expondo o que viveu e sentiu. Inclusive, a música nos ajuda a compreender as nuances psicológicas dos relacionamentos abusivos. No caso, poderíamos empregá-la para refletir sobre o conceito de migalhas do amor, explicando como o abusador emprega o sofrimento absoluto, com poucos momentos de amor, para prender a pessoa em ciclos de violência.
Porém, não cabre necessariamente à artista problematizar a própria obra de arte. Cabe ao público, à sociedade, aos intérpretes, aos teóricos de gênero e ao feminismo. Nós estamos reprimindo Lana, tentando enjaulá-la nos arquétipos dominantes do mainstream do feminismo.
A Lana não é a Beyoncé. A Lana é a Lana. A sua obra é riquíssima para a compreensão da psicologia da mulher. Em Young & Beautiful, ela dá a chave de um dos medos delas em relacionamentos com homens: Will you still love me when I'm no longer young and beautiful? Will you still love me when I got nothing but my aching soul?
Um homem que ama uma mulher a liberta da beleza, envelhecendo junto a ela, sem trocá-la ou deixá-la para trás.
A donzela sabe que o tempo está passando, compreeende que a lua cheia virá e depois minguará, tendo que resolver dilemas existenciais complexos em um curto período de tempo. O amante ideal é aquele que vive os períodos lunares até o fim da história, iluminando a lua em sua trajetória, livrando a donzela do peso da juventude.
Quando o feminismo branco liberal te libertou?
Se o capitalismo patriarcal selecionou a mulher que quis, seria libertador liberar o feminino para dançar, e não tristemente lhe impor um lugar. Há uma tendência do feminismo liberal branco em colocar a mulher no lugar da caçadora, como uma mulher de espírito independente que se realiza pelo trabalho.
Se restringirmos as mulheres a isso, potencializando unicamente a caçadora, vamos condená-las a uma geração baby boom feminina. Os homens já viveram isso e acabaram infelizes, enfartados ou praticando suicídio. No mundo dos endrogênios, isso pode acabar pior.
O feminismo branco não funciona mais, esgotou o seu potencial revolucionário e morreu no passado. Já conquistou os direitos civis que tinha o potencial de obter. Agora, é um empecilho. Persegue mulheres e homens. Impõe uma pauta única de gênero, que conflita com as necessidades das mulheres da periferia. Não se importa com o bem-estar das mulheres, e sim com a própria sobrevivência. Traiu as mulheres.
Eu acredito em um feminismo de amor, que ama as mulheres e não odeia os homens, que se une a eles na luta anticapitalista e liberta a sexualidade das mãos do capital. Eu acredito em um feminismo de múltiplos arquétipos, que acolhe as mulheres que pensam diferente. Eu acredito em um feminismo que não precisa mentir sobre dados e fala a verdade para a mulher.
Eu acredito em um feminismo de reconciliação, que não tem medo dos estrogênios e nem aliena a mulher sobre as particularidades do seu corpo e mente. Eu acredito em um feminismo que não está centrado em uma mulher, mas em várias, e que seu objetivo último não é afrontar ou domesticar os homens, e sim fazer as mulheres felizes.
Este não é um texto escrito por um feminista (termo que o feminismo americano usa sem problemas para homens, inclusive para pesquisas acadêmicas, como nesta do Pew Research Center) ou pró-feminista (qual feminismo?). Eu não me sinto confortável com nenhum destes termos. Este é um texto escrito por um homem, a partir das vivências dos seus arquétipos. Um homem somente consegue pensar sobre mulher sendo homem e não há nada de errado nisso. Meu twitter é @igornomundo.