Como assistir Raya e o Último Dragão: uma crítica à luz do direito
O filme envolve uma crítica penal e de gênero, em uma viagem emocionante e épica no mundo de fantasia de Kumandra, onde humanos e dragões viveram juntos em harmonia.
Preparem-se, porque os crimes que analisamos e as questões de gênero são interessantíssimas, sob a ótica do Direito Penal e o Direito das Mulheres.
Atenção! Este posta contém SPOILERS.
Quando uma força maligna ameaçou a terra, os dragões se sacrificaram para salvar a humanidade. 500 anos depois, o pai de Raya tenta unir os povos de várias tribos, mas não fo bem sucedido por força de uma traição.
Durante uma festa entre as cinco tribos, Raya torna-se amiga da filha da Chefe da tribo Fang, Namaari, devido ao seu interesse comum em dragões. Ela dá a Raya um pingente de dragão pra ganhar a confiança dela.
Raya mostra a localização do orbe e a Tribo Fang tenta roubá-lo. Uma luta começa quando as outras tribos descobrem e a orbe é destruída. Os Druun, os demônios do filme, despertam, e cada uma das tribos se apropriam de um fragmento da orbe.
Diante desse fato, qual o crime que Virani, a chefe da tribo Fang, teria cometido?
Já que, infelizmente, está na moda, podemos encaixar a conduta da Virani em três crimes da Lei de Segurança Nacional.
Ao entrar em instalação essencial para a segurança do reino, e quebrado a orbe, a autora intelectual do crime, Virani, e os membros da tribo Fang, praticaram o crime de sabotagem, que está no artigo 15 da Lei de Segurança Nacional.
Aplica-se a majorante da alínea c, § 1º, do artigo 15, já que do fato resultou a morte do pai de Raya e dos outros integrantes da tribo. Para o aumento da pena na terceira fase do cálculo penal, o juiz deve considerar que houve destruição de meio de segurança (a orbe), já que a sua quebra liberou os demônios.
O objetivo de Virani era tomar a orbe para si, mudando o sistema político, e reinando sobre os reinos fragmentados de Kumandra. Ela, portanto, tentou mudar com emprego de violência, o regime vigente, praticando o artigo 17, da Lei de Segurança Nacional. A pena é de reclusão, de 3 a 15 anos.
A lider da tribo Fang também tentou impedir a diplomacia do pai da Raya, que tentava unir as tribos fragmentadas para a recriação do reino de Kumandra. Assim, ela impediu, com violência, o livre exercício dos poderes dele, praticando o artigo 18, da Lei de Segurança Nacional.
Agora, tome cuidado se você não viu o filme. Spoiler!
A morte do dragão Sisu é o crime mais complicado do filme. Namaari ameaça matá-la, se Sisu não entregar a ela os fragmentos da orbe. Sisu tenta convencer Namaari a não matá-la e se unir ao grupo para salvar o mundo dos demônios, pedindo a Raya que confie nela.
No entanto, temendo que Namaari mate Sisu, pois ela já estava com o dedo no gatilho do arco, Raya lança a espada em Namaari, para tentar desarmá-la. O contato da espada com o arco, faz com que Namaari dispare e mate Sisu.
Quem praticou o crime? Namaari ou Raya. É uma questão complicada, aberta a interpretações. Porém, Namaari demonstrou durante todo o filme um comportamento traiçoeiro, o que justificaria a desconfiança de Raya.
Na iminência da morte de Sisu, Raya age em legítima defesa de terceiro (da Sisu), mas não consegue evitar o crime. Podemos questionar se o disparo ocorreria sem a intervenção de Raya, mas parece que ela não violou dever de cuidado. Por exemplo, ela não foi imperita ou imprudente, agindo diante de uma situação de grave perigo. Foi Namaari que criou a situação de risco, agravando demasiadamente quando apertou ligeiramente o gatilho.
Assim, ela assumiu o risco de produzir o resultado morte, praticando o crime de homicídio por dolo eventual. Art. 121, do Código Penal.
Em relação às questões de gênero, Raya é uma personagem super interessante. Ela já embarca na jornada da heroína forte. O pai a incentivou a lutar e sempre a protegeu. O pai também se sacrifica para salvar a vida de Raya, desenvolvendo uma relação forte e positiva com a filha.
Raya entra em luto e reconhece o sacrifício do pai, decidindo prosseguir na jornada da heroína para revivê-lo. Raya é uma personagem que desenvolve de modo forte, pois ancorada no princípio do pai.
Vemos aqui uma preocupação da Disney em criar uma reconciliação entre os gêneros, enfatizando a importância de uma figura positiva paternal no desenvolvimento da filha. Raya se fortalece como mulher tendo como leitmotiv o reencontro com o princípio masculino.
Ela tem Naamari como antagonista, realçando que nem sempre mulheres estão do mesmo lado e podem se dividir por questões políticas.
Em Raya e o Último Dragão, a Disney cria personagens femininas fortes, mas que não levam ao abandono dos núcleos familiares. É possível modificar os papéis de gênero, preservando a família e valorizando as figuras masculinas. Aliás, os grandes cozinheiros do filme são homens, que fazem comidas maravilhosas. Bola dentro da Disney!
Raya e o Último Dragão é um filme sobre pluralismo político e confiança diante das diferenças. Personagens de costumes distintos precisam se unir em prol de um bem comum: salvar a humanidade. O filme é tocante e saudável.